O primeiro passo do gigante

Giovana H. Meneguin
4 min readJun 9, 2021

Por Giovana H. Meneguin

Foto: arquivo pessoal.

Abri os olhos e dei aquela espreguiçada gostosa na macia cama de casal. O relógio marcava pouco mais de 6h30, então inclinei-me sobre os travesseiros e alcancei a canequinha de latão para tomar um gole d’água — poucas coisas são tão boas quanto a sensação de beber uma água gelada pela manhã. Ainda faltava bastante tempo para o meu check-out, mas a ansiedade já estava batendo à porta. Sem muitas enrolações, e ainda cambaleando de sono, vesti meu biquíni vermelho, minha pantalona alaranjada e prendi meus cabelos em uma trança bem firme.

Fora do quarto, uma brisa leve e fresca, daquelas que precedem um calorzão, dominava o ambiente. Mas não havia muito do que reclamar, afinal, o clima estava perfeitamente normal para meados de fevereiro no litoral carioca.

Relutante, e consciente da importância da primeira refeição do dia, fiz um esforço e dirigi-me até o aconchegante e estiloso refeitório da pousada. Mesmo com as recusas do meu corpo, forcei para dentro uma água de coco e dei uma ou outra bicada nos pãezinhos de queijo que estavam à mesa.

8h. Estava chegando o momento. Juntei o celular e uma toalha seca em minha mochila e fui até o centro de mergulho para começar toda a paramentação. Aliás, nunca vou superar as aflições que foram minhas primeiras experiências com o neoprene, especialmente a descamação, causada nas pontas dos dedos das mãos pelas puxadas para acertar a veste no corpo. Um pulo pra lá, outro pra cá, uma esticada alí e pronto. O processo foi quase artesanal, mas ele terminou e culminou com a ida para o cais e, depois, a entrada na embarcação.

Conforme os minutos se passavam, aquele amarelo leve e inocente, típico das manhãs, dava lugar a um azul mais forte, porém ainda delicado. O dia não poderia ser mais propício. O céu estava limpo, a temperatura agradável e a água… mais calma, impossível. O barco partiu sem aviso prévio pelo rio Perequê-Açú, em direção à Baía de Paraty. Ou melhor, rumo à Ilha dos Ratos, localizada nas proximidades da Ilha do Algodão, a maior (e talvez mais famosa) da região.

Ainda não eram nem 9h30 e meu coração batia forte. O mar, ou melhor, o oceano, me chamava para o caloroso e misterioso abraço de suas águas salgadas. Antes do relógio marcar 10h, o barco atracou na ponta Sul da Ilha e foi recebido por um gavião-carrapateiro, que ficou imóvel na proa. Havia chegado a hora. Preparei meu cilindro, vesti meu colete e máscara e conferi se tudo estava nos conformes. Pendendo de um lado para o outro, por conta do peso nas costas, alcancei a popa do barco. Nadadeiras colocadas e olhar no horizonte. O passo do gigante levou-me para a água. E que água.

Bastou uma abaixada de cabeça, ainda na superfície, para que eu ficasse fascinada pela rica vida dentro daquele meio celeste. Depois de realizar os exercícios obrigatórios do curso de águas abertas, pude finalmente “nadar a turismo” e, de fato, apreciar mais de perto toda aquela beleza. Foi quando descobri que sim, é possível chorar debaixo d’água.

Estrelas-almofada-vermelha gigantes, sardinhas, baiacus, coiós, corais-cérebro e até mesmo os traiçoeiros corais-baba-de-boi. A cada “esquina”, uma surpresa. Confesso que, como mergulhadora de primeira viagem, minhas expectativas não eram das mais baixas e a euforia corria solta. Meses antes, em meus sonhos, eu pensava sobre como seria a sensação de nadar ao lado de uma tartaruga marinha, ou então de uma arraia. Bem, enganam-se aqueles que dizem que sonhos não se realizam, pois, superando os meus desejos mais ousados, três tartarugas-verde cruzaram meu caminho.

Nadando em paz, e com um equilíbrio sem igual, aqueles animais majestosos deixaram-me sem reação. Parte de mim acredita que o encontro ocorreu em câmera lenta e que, em algum momento, foi congelado pelas forças místicas do Universo e delimitado por faixas pretas, como nas telas de cinema. A cena toda, que deve ter durado alguns míseros segundos, estava embalada pelo único som ambiente possível: inspirações e expirações borbulhentas e com ares meio sci-fi. Ah! Que momento! Mais uma vez, em um curto intervalo, chorei debaixo d’água.

Depois de todas as memórias e sensações proporcionadas pelo meu primeiro mergulho, simplesmente não consigo imaginar alguém não gostando da arte de mergulhar. E também não me imagino mais longe do mar. Nos últimos tempos, meus sonhos com o oceano têm aumentado. Mas, curiosamente, a ansiedade diminuiu. Isso porque eu aprendi que a água salgada vai sempre surpreender e realizar sonhos. Contando que a gente cuide bem dela.

Texto escrito para o curso de Narrativas Afetivas de Viagem, do SESC Consolação.

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