Uma última homenagem à Ágatha Christie

Giovana H. Meneguin
7 min readJun 15, 2021

Por Giovana H. Meneguin

Foto: arquivo pessoal.

A gente nunca está preparado para dizer adeus. Em meus 24 anos de vida, já aprendi isso. Não existe fórmula mágica para se preparar para aquele que será o último abraço, beijo na testa ou carinho. E isso me faz lembrar como eu simplesmente odeio despedidas. Daí a tal da importância de valorizarmos cada momento da vida, até aqueles que parecem mais banais. Frase clichê. Mas, poxa, será que ser clichê é ruim?

De acordo com o dicionário, dentre seus muitos significados, clichê também quer dizer: frase geralmente rebuscada que se banaliza; chavão, lugar-comum. Afirmar que devemos aproveitar cada segundo da vida não poderia ser mais verdadeiro, e, honestamente, deveria ser o mantra de muita gente (inclusive eu mesma). Afinal de contas, se há alguma certeza é de que nunca saberemos qual momento será o final, o último termo, ou melhor, ponto, do epílogo de um livro.

Ágatha foi embora no fim de uma segunda-feira fria (também conhecida como ontem). Gosto de pensar que ela foi em paz, em casa. Também me conforta imaginar que, agora, ela está no céu dos gatos, se roçando nas coisas, tomando um solzinho da tarde e mordiscando uma ou outra orquídea que com certeza tem por lá.

Posso dizer que dividir um pouquinho da minha vida com ela foi uma alegria tão, mas tão grande que não consigo nem me imaginar na companhia de outro gatinho. Sei que é exagero falar assim, mas acho que pensamentos exagerados fazem parte do luto. Além disso, ela realmente era um serzinho especial demais - eles sempre são.

A gatinha caolha dominou o grupo de família!

É gostoso olhar para trás e ver como a Ágatha conquistou o coração de um a um aqui em casa. "Não posso levantar porque a gatinha está dormindo" era a frase do meu pai, que sempre disse não gostar de gato, quando a Ágatha estava ajeitada em seu colo na poltrona da sala. Seja através do seu ronronar (muito parecido com o motor de um Fusca), das suas figurinhas de WhatsApp que agora circulam no grupo de família, ou até mesmo do próprio apartamento, cujas portas ficavam abertas ou fechadas de acordo com suas preferências de circulação. Ágatha marcou seu território aqui na rua Cajuru. E marcou bem marcado.

Digo isso porque, curiosamente, sua ida proporcionou uma das cenas mais bonitas, embora tristes, que já vi na vida.

Quando a Ágatha deu seu último suspiro, Nina, a salsicha de 4 anos, que estava do outro lado da porta, começou a chorar. Nina então entrou no quarto e surpreendeu a todos por deixar do lado de fora a sua postura de moleca. Com toda delicadeza do mundo, a qual jamais demonstrou na presença da Ágatha, ela foi até o corpinho sem vida da nossa gatinha, fungou e ficou ali, parada e séria, vivendo o luto conosco. Afirmo sem medo que seus olhinhos estavam tão marejados quanto os meus, os de minha mãe, de meu pai e de minha irmã.

Hoje, quando o corpo magro da Ágatha foi embora, Nina protagonizou mais uma cena tocante (e um tanto quanto inacreditável). Ela fez questão de dar o seu último adeus àquela que havia sido sua amiga durante os últimos anos; àquela que ela provocava com mordidinhas, só para fugir ao passo que a outra miava e corria atrás; àquela com quem ela dormia lado a lado em algumas noites - preenchendo, claro, metade da minha cama (apesar de pequenas, elas ocupavam um espaço que me deixava besta!); àquela que, cada vez que saia do quarto, tomava uma rasteira já que a empolgação da Nina ao vê-la era enorme.

Depois de farejar a caixinha de papelão, Nina chorou enquanto via o elevador se fechar e continuou chorando por mais alguns minutos. Ela chorou porque, de alguma forma, sabia que aquilo era para valer e que a Ágatha não voltaria mais. E eu chorei agora, escrevendo essas palavras. Tenho para mim que até Mila sentiu, mesmo com seu Alzheimer canino… Enfim, nessas horas, acho que só quem tem bicho entende o quanto eles, de fato, sentem. E se a Nina não sentia amor pela Ágatha, bom, eu não sei de mais nada.

Foto: arquivo pessoal.

Quando comecei a rascunhar este texto, na noite de ontem, não fazia nem 3 horas que havia dado o meu último adeus à Ágatha. Mas já parecia que não nos víamos há uma eternidade. Já sinto falta de vê-la dormindo na cama dos meus pais, relaxando na varanda, beliscando as plantas e bebendo água da fonte; sinto por saber que não vou tê-la mais como companheira de home office, sentada na cadeira ao meu lado, ou de janta (ela gostava de ficar junto durante as refeições). Quem vai passar na frente da câmera durante os calls a partir de agora? Vê-la partir foi doloroso, mais até do que eu poderia imaginar; e só de pensar que não ouvirei mais seus barulinhos, não sentirei seu cheiro, a força de suas unhas e a maciez de seu pelo negro, meu coração se quebra e meus olhos se enchem d’água.

Aliás, é engraçado pensar sobre as sensações e como elas são carregadas pelas lembranças. Posso lembrar da sensação que sentia ao fazer carinho na cabeça, no queixo ou pescoço da Ágatha. Seus pelos finos e sedosos sob meus dedos. Quase consigo sentí-los novamente em minhas mãos. Mas, por alguma força cósmica e indecifrável, ficamos distantes e a sensação que era fazer carinho na gatinha mais doce do planeta fica somente na memória.

Vez ou outra experiencio essa mesma sensação com o Hulk, nosso periquito-rico que nos deixou há quase três anos por um descuido meu, que jamais perdoarei. Às vezes consigo ouvi-lo cantar, ou melhor, dizer “hulkinho/ tudo bem”, mas é só quase. Alguma coisa me separa da sua vozinha fina e infantil. Também forço-me a lembrar dos resmungos da Nala ou do latido estridente da Tina. Eles estão muito, mas muito próximos. Falta um tiquinho só para ouví-los e senti-los só mais uma vez de fato, mas, por mais que eu me esforce, essa outra vez nunca chega.

Contudo, posso dizer que aprendo diariamente a valorizar e aproveitar os momentos simples - e, sem dúvidas, devo isso aos meus bichos. Então, sei que não desperdicei momentos com a Ágatha.

Não vou negar que troquei (e ainda troco) fácil meu home office por alguns minutinhos de lazer ao lado da Mila, Nina e Ágatha. Foram várias as vezes em que larguei minhas demandas (que, sinceramente, no fundo, de importantes não tinham nada) para encher seu saco com fotografias dignas de revista enquanto ela estava largada, tomando sol, como uma verdadeira rainha-gato.

É ao lado dos meus bichos e da minha família que vivo aqueles momentos em que a gente pensa “como eu gosto disso” e entende que é aquilo o que realmente importa. O resto, é nada, não importa. Ah! E, normalmente, esses momentos aos quais me refiro não são os rebuscados e cheios de firulas, mas sim os mais simples. Puxa, como são especiais!

Fecho meus olhos e me recordo da Ágatha, no último sábado, se juntando aos meus pais e à Nina na cama (tenho para mim que ela era meio Maria Fifi e adorava participar das rodas de conversa e fofocas familiares). Também me vem à mente quando plantei minhas pitayas com a ajuda de minha mãe. Ou ainda, quando, na maioria dos dias, após o almoço, vou com meus pais para a varanda de casa tomar o cafezinho - que eu nem tomo, mas o que vale é o momento gostoso de troca com eles (e com as cachorras e Ágatha - que, sempre muito eficientes, não tardavam em se juntar àquela reuniãozinha em que, quem sabe, poderiam descolar um resto de café com açúcar, biscoitinhos ou pedaços de fruta).

De domingo para segunda, ao fim do que seria o nosso último dia juntas, Ágatha resolveu dormir comigo, em minha cama. Ela já não fazia isso há alguns dias, desde quando começou a demonstrar estar mal por conta dessa doença horrorosa que é o câncer, mas naquela noite se aninhou ao meu lado. Eu mal me mexi a noite toda e acordei com várias dores na perna por isso - mas, obviamente, não me arrependo nem por um único segundo. De manhã, foi impossível levantar e deixá-la. Inclusive, comecei a semana me atrasando para o trabalho. Mas posso dizer que aproveitei cada minutinho daquela manhã, a última. Fiz carinho, aconcheguei, prestei atenção em seu ronronar de fusquinha e senti seu cheirinho que, ultimamente, tinha um quê de sardinha por conta do patê especial.

Coelhinha, raposinha, ratinha, fofinha, princesa, princesinha, gatinha, gatinha mais linda do mundo, gosminha, tita, patita, tita patita, Zé Pequeno, Ágatha Christie. Ágatha. Eu amei você com todo o meu coração e sou imensamente grata por você ter me mostrado como é gostoso ter um gatinho. Você faz falta e senti de escrever este texto para, quem sabe, me sentir um pouco mais confortada.

Não sei se acredito naquelas coisas que dizem que a gente vai se reencontrar e tudo mais. Mas sei que o amor que você me deu foi absurdamente gigante - e espero tê-lo compensado de alguma forma. Também sei o quão importante você foi para Natália, dentro e fora de Jaboticabal. Somos muito gratos por isso.

É engraçado. Perder você doeu. Assim como doeu perder a Nala, a Tina e o Hulk. Mas faz parte, né? O começo é difícil e parece que a gente não vai conseguir fazer mais nada da vida. Por fim, os dias passam e, como dizem, o tempo cura todas as feridas. E aí ficam as lembranças. Só as boas - afinal, tem só lembrança boa! Falei isso pra Nina no dia em que você se foi. Vocês só deixam coisa boa por aqui, não existe sequer uma memória ruim. Impossível! E com as lembranças boas, vêm as risadas e a saudade. Mas é uma saudade gostosa, nostálgica. Sempre de um jeito que conforta.

Você me faz falta. Obviamente, preferia você por aqui. Mas mal posso esperar para que as lembranças boas cheguem e me encham de risos.

Obrigada!

Com amor,

Gi

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